domingo, 28 de janeiro de 2018

#projectomeianoite - conto 4

Meia-noite. Escrevo pausada e apaixonadamente. Transformo em letras o ritmo do meu coração e teletransporto a minha mente sem que o meu corpo saia da frente do computador que recebe o bater mecanizado dos meus dedos nas teclas já desgastadas.
Numa viagem rápida, ultrapasso a cápsula do tempo e do espaço e aterro numa casa que cheira a mar.
«Devo ter deixado a janela aberta com a pressa.» Dispo aquela farda que me sufocou o dia inteiro, impregnada de sal. Corro pelas divisões em busca dele e encontro-o, poucos instantes depois, apenas de toalha à cinta. Presenteia-me com o seu mais belo sorriso, os seus braços fortes puxam-me na sua direção e beija-me apaixonada e calorosamente, como se fosse a primeira vez.
O banho estava preparado: água quente, espuma e pétalas de rosas. Há champanhe. Respiro o meu conto de fadas até à última lufada, como se este pudesse acabar antes de sequer ter começado.
Os números vermelhos e brilhantes do rádio-relógio marcam meia-noite. Já deitados vejo o peito dele subir e descer, num ritmo calmo. O corpo cansado repousa descoberto, tentando compensar a temperatura elevada do ar que enche a divisão. Os raios do luar atravessam a janela entreaberta, permitindo-me admirar os contornos que definem tão doce existência.

Os meus olhos não cansam de o olhar, não querem parar de o olhar. Aconchego-me em silêncio ao seu lado e logo o calor daquele corpo transmite-se para o meu, que inexplicavelmente se arrepia. As minhas pálpebras fecham, solidárias com as dele, guardiãs de uma mente brilhante em repouso, divagando na terra dos sonhos.
O meu subconsciente, finalmente livre de mim, voa também, procurando ansiosamente encontrar o dele num qualquer sonho.
Abro os olhos preguiçosamente numa divisão que me é conhecida. A luz ao acordar sempre me incomodou tanto como a cama gelada ao deitar. Não há cheiro a mar, nem fardas suadas. Não há banhos com pétalas de rosa nem um príncipe encantado à minha espera apenas em toalha. Há um quarto desarrumado com cheiro a flores do campo. Há um duche, que me acorda os sentidos, que me faz sentir cada gota de água a escorrer vagarosamente, a serpentear pelas curvas da minha natureza, onde aos poucos, debaixo daquela água reconfortante, me obrigo a regressar à realidade.
O vapor quente embacia-me o olhar e por entre as sombras vejo no espelho as linhas que desenham o meu corpo.

Um arrepio percorre-me a espinha, como se sentisse ali a presença dele.
Era apenas a janela aberta e saudade de um amor que aperta. 
Acorda! Foi só um sonho.

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