domingo, 28 de fevereiro de 2016

desabafos de uma lojista

Acabei a licenciatura e comecei a trabalhar para pagar as contas, para pagar a casa, e para pagar o mestrado. Comecei cheia de energia e confiante que seria temporário, que iria acabar o curso rápido e que não ia ficar muito tempo.
Comecei a trabalhar porta a porta, sem salário base fixo, sem subsídios. Andava a mendigar contratos, ao sol e à chuva. Cheguei a tirar 1400€ num mês e 30€ noutro. Sim, trinta euros. Mas nada me fazia desistir, nem as portas batidas na cara, nem as que se trancavam atrás de mim, mal passava a ombreira, a temer que poderia não sair mais de lá. Mas o tempo foi passando, e as aulas iam ficando para segundo plano.
Um ano depois fui a entrevista para uma loja, e a primeira coisa que me é dita quando indico que sou estudante é que não teria direito a estatuto de trabalhadora-estudante. “Queremos que estejas 100% focada no teu trabalho”. E as aulas ficaram para trás. Passaram-se alguns largos meses, e transferiram-me para uma loja de shopping. Vi aí a minha oportunidade de voltar a estudar. Candidatei-me a tempo parcial, e fui colocada. Fiquei tão feliz. Aquela energia toda que tinha voltou, e acordava todos os dias novamente confiante que agora é que era, agora é que ia acabar o curso e pirar-me dali. Mas a ginástica entre a loja e as aulas era enorme. E é cada vez maior, à medida que as disciplinas vão ficando mais trabalhosas. Não sei o que é ter folgas só para mim, pois quando não estou a trabalhar estou a ter aulas, quando não estou a ter aulas estou a trabalhar. Não sei o que é ter tempo para cuidar da minha casa. As férias são tiradas em épocas de exames e todo o dinheiro é gasto em contas e estudos. “Chapa ganha, chapa batida”.
Sabe o que é trabalhar numa loja de telecomunicações? É ser destratada todos os dias. Por pessoas que não sabem falar, não sabem estar e acima de tudo, não sabem o que é respeito. É estar num ambiente de pressão gigante, levar com reclamações adornadas de gritos e de salpicos de saliva, e mesmo assim manter-me impávida e serena, solícita e prestável.
Por detrás da assistente a quem gosta de atirar com todas as suas frustrações está um ser humano. Que luta, todos os dias, por não desistir, por não se deixar afundar num emprego sem futuro, por não se deixar ir abaixo e parar de estudar e de lutar. Está um ser humano que se sente inferiorizado sempre lhe chamam de incompetente, imprestável, que olham com desprezo e desdém, mesmo quando esse ser humano já fez tudo o que estava ao alcance para o tentar ajudar, que não encontra outra forma de lhe explicar que de momento, é tudo o que pode fazer.

“Um canudo não te garante emprego”. Sim, tem toda a razão, mas é a única luz que muitas vezes ainda se vê no fundo do túnel. É a única luz que nos faz levantar todos os dias da cama, e acreditar que algo melhor está reservado para nós. Algo melhor que ficar eternamente atrás de um balcão.