quinta-feira, 20 de agosto de 2020

59.

 


As mães deviam ser eternas porque as filhas precisam das mães até serem velhinhas, precisam das mães mesmo já sendo donas de casa, já sendo crescidas, até mesmo já sendo mães.

Uma filha será sempre uma mulher, uma amiga, uma namorada, uma colega, uma trabalhadora, mas quando perde a mãe a perde também uma parte de ser filha? Perder uma mãe é perder um pedaço de nós. É arrancarem-nos um bocado do coração e atirá-lo também para uma cova.

Hoje a minha mãe faria 59 anos. Hoje iríamos juntar-nos à mesa, Ela iria reclamar do tamanho do bolo que eu teria feito para lhe cantar os parabéns e iria reclamar de ter gasto dinheiro numa prenda porque não precisa de nada. “Ter-te a ti e ao Pai é tudo o que preciso”. E agora que eu e o Pai não te temos a ti? Como é? 

Não tenho sequer voz para te cantar os parabens nem fôlego para soprar as velas por ti. 

Não tenho a tua voz encostada ao meu peito, nem os meus braços à tua volta, enrolados com os teus à minha volta, mas tens o meu coração para sempre contigo.

Hoje até o céu chora. Parabéns Mãe. 🖤

terça-feira, 28 de abril de 2020


Abro os olhos devagar. Chove imenso lá fora e além das gotas de água a atacarem furiosamente os telhados, não se ouve mais nada. 
Os meus olhos fixam o vazio, especados, como se fossem duas crianças com medo do bicho papão.
O meu telemóvel indica que são oito horas e assim me diz que começou mais um dia.
Levanto me a custo, esfrego os olhos e as remelas relembram mais uma noite adormecida com o embalo das lágrimas.
Recordo-o. Recordação que dói, como se tivesse a espreitar um curativo apenas pra me dar conta que a ferida ainda estava aberta. 
A acompanhar o meu cérebro, preso naquele loop de lembranças, estão as minhas passadas mecanizadas. O meu corpo acordou, mas apenas isso. Todo o resto de mim está dormente, anestesiado, como se tivesse tomado uma injeção de morfina para aguentar mais um dia.
Olho-me ao espelho e sorrio ao recordar como é fácil usar uma máscara. Aprendemos desde cedo a construí-las e prendê-las ao nosso rosto - com uma tesoura de pontas redondas recortamos com cuidado o rosto escolhido (branca de neve, fada, anjo, anões, esquilos, o limite era a imaginação) e depois um elástico preso por dois furinhos, um de cada lado. Não muda muito em adultos: dois furos para os olhos e todo o rosto é coberto com base, pó, óculos de sol e esgares de sorrisos forçados... o mundo não precisa saber a escuridão que trago cá dentro.
É incrível - mas que de incrível não tem absolutamente nada - como pode ser fugaz algo que outrora foi tão intenso (pelo menos para um de nós). 
A decisão foi minha, como têm sido todas as decisões nos últimos anos. 
Eu ora decido afastar-me, ora decido ter relações tóxicas, ora decido trair a confiança, ora decido trair o meu amor próprio. 
Eu decido entrar constantemente naquela espiral, como se de alguma forma me fizesse sentir melhor comigo mesma, como se cada entrada em cada montanha russa fosse uma desculpa para o falhanço total que é a minha relação com o aquele filho da mãe: o Amor.
É incrível como em determinas alturas da nossa vida nos conseguimos identificar com determinada música que dá na rádio, ou frase feita na qual que tropeçamos pela internet fora.
Subitamente cremos que o universo nos fala ao coração. Cremos que alguém espia os nossos passos, ouve as nossas conversas (e os nossos pensamentos?) e transforma em frases perfeitamente inteligíveis desabafos que até então balbuciávamos, com severa dificuldade, a ouvidos alheios que ainda tinham paciência para os ouvir (e alguns conselhos destrocados, em sobra, para nos dar). E então aquela melodia que até esse momento trauteávamos distraidamente, aquele conjunto de palavras - das quais sabemos de-trás-prá-frente o significado- subitamente tornam-se como que magicamente iluminadas com brilhos néon e tomam aos nossos olhos (e aos nossos corações desfeitos) proporções emocionalmente gigantescas.
E com isto aquele vazio dilacerante no peito volta, como se dele o meu coração tivesse sido arrancado, desfeito em mil pedaços e atirado ao lixo, como um trapo velho.
Chega então a altura em que só queremos dizer «Chega!». Queremos que a nossa vida seja projetada em forma de livro e possamos saltar diretamente para o último capítulo, só para ter a certeza que acaba tudo bem. 
Queremos a luz de um farol no meio da noite escura num mar agitado que atravessamos.
Queremos uma mão amiga que nos puxe e sacuda o pó da roupa.
Queremos apenas saber que tudo isto vale a pena. 
Que todas as lágrimas, todos os choros sufocados em soluços mudos tragam o final feliz que é vendido como o único final possível. 
No fundo, queremos que a nossa vida seja como a das pessoas felizes dos anúncios de TV: fabricadas em série, todas iguais, todas de sorriso no rosto, pintado a laser, antes de sermos metidos numa caixa, prontos para sermos expedidos para qualquer mercado social. 
Não me abandonou a vontade de viver, essa nunca!, apenas de amar. 
E por fim, com um suspiro solta-se uma última lágrima. 
Tudo o que nunca quis era aquilo a que toda a minha vida aparentemente se resumia, àquele momento.
Será sempre nele que o meu pensamento se vai focar quando o único barulho que o perturbar for o da chuva. 
Será sempre com saudade que o vou (re)lembrar nas noites frias de inverno. 
Será sempre aquele o perfume que vou sentir nas brisas frescas dos finals de tarde no verão. 
Nada mais foi que um amor fugaz de arrebatar os sentidos, um amor fugaz que se desvaneceu, um amor fugaz que nunca foi meu. 
Já não choro, as lágrimas secaram.




domingo, 12 de abril de 2020

A minha Páscoa

A minha Páscoa começava cedo.
Ao contrario de todos os restantes domingos em que ficava a dormir até tarde, que mal acordasse voava para a cama dos meus pais, o Domingo de Páscoa começava cedo, quando os primeiros foguetes começavam a rebentar no céu azul.
Era possivelmente o Domingo mais atarefado do ano e ainda assim eu era sempre a última convidada a chegar àquela festa que já tinha começado tão cedo.
Quando me estava a sentar à mesa para tomar o pequeno-almoço - «Come bem que já sabes que vamos almoçar tarde e depois dá-te a fome!» ouvia a minha mãe avisar, com voz firme mostrando que eu não tinha outra alternativa (logo eu que nunca fui fã de pequenos-almoços adiantados) - já tinha o meu pai chegado com regueifa fresca, já a minha mãe estava a cozer os ovos com casca de cebola e já o assado estava na assadeira, pronta a ligar.
«Anda, tens que te ir vestir, não tarda está aí o compasso e tu de pijama!»
Já tinha a roupa pronta de véspera, roupa a estrear, passada e perfumada porque a Páscoa era sempre altura de ter roupa nova.
Já a minha mãe e o meu pai tinham varrido os passeios e preparado um tapete de folhas e pétalas de flores coloridas, a demarcar o caminho que haveria em breve de ser feito pelo compasso.
«Despacha-te, já se está a ouvir a campainha, o Compasso está mesmo a chegar»
A porta da sala, que raramente era utilizada - apenas para dar entrada ao Sr. da luz quando vinha recolher a contagem - estava nesse dia aberta, bem como as restantes janelas e portas. A luz invadia todos os recantos da nossa pequena e acolhedora casa, inundando o nosso lar com um brilho especial.
«Shhh, já estão aí a entrar, vem para aqui para a beira do Pai, anda.»
A minha mãe dava todas as ordens e controlava todas as etapas, sob o olhar atento do meu Pai.
O compasso entrava, naquele dia os rostos familiares dos nossos vizinhos ganhavam outra altivez e eu sentia-me intimidada pela seriedade do momento. O meu Pai entregava um envelope como mandava a tradição, e em troca recebíamos o crucifixo para beijar e um postal com a oração daquele ano.
Tudo se passava tão rápido e ainda assim quando recordo esses momentos vejo todos os detalhes como se estivessem a passar em câmara lenta.
Com o passar dos anos a Páscoa foi tomando outros contornos, outros lugares até ficar reduzida a mais uma data sem ouvirmos as ordens da minha Mãe.
Este ano, sem ordens, sem festejos, sem abraços.
Há um assado no forno que não posso partilhar com o meu Pai, há ovos da Páscoa que não foram feitos pela minha Mãe e há saudades.
Este ano, sem abraços e sem conversas de deitar fora como este dia exige.
Este ano, a Páscoa pede o derradeiro ato de amor que nos é exigido: isolamento social, resguardo, protecção.
Que este ano sirva para nos lembrar, em todas as Páscoa vindouras e não só, que o importante é o Amor, é a Família, é ter por perto os nossos, com quem partilhar sorrisos, momentos e comida feitas com o coração, pois tudo o resto, é só mesmo isso, o resto.

quarta-feira, 4 de março de 2020

De mim para mim. De mim para ti. De mim para quem precisar de ouvir tudo isto e talvez mais.


Quando te sentires cinzenta como uma manhã de chuva e nevoeiro:
Aprendi, de novo, que nada é por acaso. Que cada vez que cais e bates no fundo é apenas o embate necessário para te reergueres e iniciares a tua subida com ainda mais força e velocidade. 
Aprendi, de novo, que as desilusões são as lições que precisas para avançar mais um pouco nessa demanda que é a Vida. Que tudo o que sentimos que está a enrijecer, que está a empedernir o nosso coração, na verdade está apenas a fortalecer este músculo tão precioso e tão frágil. 
Aprendi que o universo coloca no nosso caminho as pessoas certas, não necessariamente boas ou más, apenas as certas para te acompanharem naquele momento e te entregarem, ainda que inconscientemente, o seu contributo na tua vida. 
Aprendi que a fé pode ser inabalável desde que tenhas tomado consciência de que tu és a tua única limitação e que nada nem ninguém te pode demover da tua busca pelos teus verdadeiros sonhos. Esses sonhos que sempre moraram aí dentro, entre a Rua do Coração e a Avenida da Inspiração. 
Aprendi que há caminhos que podem assombrar-te, que podem ser tão íngremes que só se ultrapassam sendo escalados, mas que não precisas - nem deves! - fazê-lo sozinha. 
Que podes - e deves! - dar a mão alguém, e está tudo bem! Está tão bem como se optares por sentar-te e recuperar fôlego antes de avançares. 
Porque aprendi também que o tempo é relativo, é medido com o teu relógio especial chamado Instinto, cujo tic-tac insististe sempre em não ouvir, mas que nunca perdeu corda nem saltou nenhum ponteiro. Um relógio especial que funciona no seu próprio fuso horário, e que o teu caminho o vai respeitar se tu também o fizeres. Não significa que estás para trás ou para a frente, ou que estás errada, apenas que estás no teu próprio fuso, no teu próprio ritmo. 
Aprendi que não é fácil, mas nada que valha a pena é. Que faz parte do nosso ADN pensar nisso, e colocar todos as opiniões alheias possíveis numa bimby de julgamentos e auto-sabotagem, mas o segredo na verdade é simples: só tens que fazer o que o teu coração te diz. Só tu podes ser o teu próprio juiz e decidir se esse caminho que estás a fazer, se essa decisão que estás a tomar é a mais acertada ou não. 
Aprendi um mantra sagrado: os outros que se fodam.
Mas a lição mais valiosa que aprendi é que por mais brilhante possa ser um luar num céu limpo e estrelado, que por mais encantador e de tirar a respiração possa ser um pôr-de-sol em pleno fim de tarde num quente dia de verão, nada terá mais luz que o teu sorriso mais puro, nada será mais avassalador que a tua gargalhada de felicidade. Sorri, ama-te e sê feliz. 

domingo, 16 de fevereiro de 2020

Como se vive sem uma Mãe?

Para muitos esta pergunta é de resposta óbvia e fácil: bem.
Para mim, é ainda não conseguir falar sem doer o peito, sem apertar a garganta e sem cerrar os dentes com força para as lágrimas não caírem.
Há três anos que ando a tentar saber não como se vive mas como se sobrevive sem ti, sem a minha Mãe, e sei que chegarei ao fim dos meus dias sem o saber.
Três anos. Já faz três anos que te levaram para longe de nós. Três anos que o mundo virou um filme a preto e branco, sem falas, sem as tuas gargalhadas, sem o arco íris do teu sorriso que se apagou e deixou para trás as memórias dos nossos dias felizes.
Tenho tantas saudades tuas, tantas que sufocam, que apertam a garganta como a mão de um assassino, estrangulam o nó dos choros tantas vezes engolidos à força de um sorriso amarelo e um “está tudo bem”. 
São tantas as saudades dos teus conselhos, de ouvir a tua voz serena, de ver o teu sorriso luminoso, de me dizeres que tudo vai correr bem. 
“Pensamento positivo atrai coisas positivas.” Se pelo menos te trouxesse de volta... 
Três anos e nada na tua partida faz sentido. 
A maior parte do tempo é como se estivesse num estado de dormência, uma dor adormecida e mascarada pelo quotidiano, pela roda viva que é a Vida, e do nada, uma pequena frase, um gesto, uma referência tem o efeito Borboleta e tudo desaba em mim. O pouco que se vai reconstruindo cai por terra. Hoje foi uma série, amanhã é uma foto nossa. Fazes-me uma falta tão grande que preciso dos meus sonhos para te ver viva e falar contigo, abraçar-te, ouvir a tua voz.
Para muitos deve ser realmente fácil viver sem uma Mãe, eu mal consigo respirar sem a minha.