sábado, 29 de outubro de 2016

Eat, Pray, Love

Talvez porque precise, ou simplesmente porque começam a denotar-se umas pinceladas de TPM no meu humor, aliado ao cansaço psicológico que se anda a acumular há demasiado tempo, estes dias decidi ver o filme Eat, Pray, Love.
Este filme fala, muito basicamente, sobre Liz, «uma mulher moderna» que se divorcia e decide fazer uma viagem em busca dela própria e quiçá de alguma paz interior. Isto é tudo muito bonito, para quem pode. Mas e nós, as personagens da Vida Real, que temos um trabalho (in)seguro e mil e um compromissos que nos impedem de mandar tudo para trás das costas e simplesmente embarcar numa viagem de auto-conhecimento? A parte pior nem é essa! A parte pior é poder pagar uma viagem dessas, porque por muitas companhias low cost existam, a parte do Eat é muito importante e, embora não faça parte do titulo do filme, a parte do Sleep convém que não seja debaixo de uma ponte num país onde mal arranhámos a língua.
Para nós, mísera classe trabalhadora, a viagem em busca do nosso âmago tem que ser muitas vezes feita de olhos fechados, enquanto tentamos desesperadamente neutralizar o barulho da televisão do vizinho com o barulho ainda maior dos nossos pensamentos. Ou então de olhos bem abertos, com o piloto automático ligado, enquanto estamos perdidos no meio do trânsito.

Embora existam mil e uma religiões, todos nós, a uma dada altura na vida, rezámos. Dirigimos as nossas preces, revelámos os nossos desejos mais íntimos a uma qualquer entidade superior. Alguém, com ou sem nome, que tenha o poder de milagrosamente corrigir o que achamos estar mal na nossa vida. Pedimos ajuda para ter mais dinheiro, para ter sorte no amor, para a cura de um problema de saúde, pedimos Sorte para que algo corra como esperado, a desejamos até para alguém que nos é querido. Fui educada por pais cristãos, e embora não sendo praticamente e pudesse dissertar sobre o quão errado acho alguns ensinamentos e práticas desta religião, esse Ser Superior sempre me foi indicado como sendo Deus. Actualmente, prefiro chamá-lo de Destino. Prefiro encarar esse Ser como uma Força, cujo entendimento nos ultrapassa e acredito piamente que tudo, mas tudo, acontece por um motivo, seja para que alguém que não deve permanecer na nossa vida possa sair, seja para que possamos aprender uma lição que nos será valiosa numa outra fase da nossa vida, ou para simplesmente aprendermos a dar valor a algo, ou alguém.

Sendo humanos está nos nossos genes sermos egoístas, nem que seja por um milésimo de segundo, quase imperceptível aos nossos olhos, e nesse egoísmo acabamos por nos esquecer que a Vida não gira à nossa volta, que o Destino não se baseia nas nossas passadas, que nós não somos sempre as personagens principais desta tragicomédia. Que tantas vezes, no meio do desespero, da dor da perda (seja a perda que for, há sempre dor, a do luto), na ânsia de ultrapassar algo que aos nossos olhos mete o Mt.Everest nu  bolso, acabamos por esquecer (ou menosprezar) um outro alguém, que também pode estar nessa viagem espiritual, ou a precisar de embarcar numa sem saber sequer que precisa dela.

Felizmente, também está nos nossos genes uma coisa maravilhosa chamada amizade e empatia, que quando juntas quase funcionam como uma poção mágica, quando sentidas em plenitude, fazem-nos olhar para a nossa vida e perceber que afinal o Mt.Everest era só uma lomba na estrada e se nós fomos capazes de ultrapassar, o nosso vizinho e amigo também será. É nessa altura que lhes damos a mão (metafórica ou literalmente, decisão que deixo ao critério de cada um) e os ajudamos a embarcar na própria viagem de auto-conhecimento e de busca de paz interior. E sabem que mais?  Nesse passo, onde colocamos as nossas dores de lado, e ouvimos o Fado de alguém, estamos um passo mais próximos de descobrir a paragem do nosso verdadeiro Eu.


Jane.