sexta-feira, 25 de novembro de 2016

O Relógio Biológico ou Como, do nada, começaram a surgir bebés em todo o lado

Hoje escrevo para quem um relógio interior cujo alarme não se cala. Sabem aqueles sonhos manhosos em que estamos a sonhar com o despertador, em que o travamos, mas o filho da mãe insiste em tocar como um louco e não há forma de se calar? Pronto, é mais ou menos assim que o meu relógio anda. Dispara em todo o lado, em situações parvas ou completamente inusitadas como, por exemplo, a meio de um atendimento em que o senhor ou a senhora se está a espumar pela boca a fazer uma reclamação e eu só vejo o bebé, aquela coisinha ternurenta, no carrinho, com as roupas mais fofas e o ar mais doce de sempre. Do nada a minha começa a fazer mais ou menos este percurso: Oh, tão lindo, tão fofinho. Um dia hei-de fazer um assim. Um dia? Mas quando? Será que vou poder algum dia ser mãe? Para isso preciso de alguém, porque não quero ser mãe solteira. E se não encontrar ninguém? E se ficar sozinha para sempre? Nunca vou ser mãe, constituir a minha família. As minhas amigas vão seguir e eu vou ficar aqui, a ver o mundo acontecer à minha volta, como se fosse a única espectadora de um filme. Não tenho irmãos, vou morrer sozinha no mundo.
De loucos? Para alguns acredito que sim, mas para quem tem um alarme a tocar como o meu, e para quem está sozinha como eu, acredito que não pareça assim tão descabido.
É engraçado (força de expressão porque de engraçado não tem nada) olhar para trás e ver como a vida dá umas voltas do catano. Foi no ano em que entrei na universidade que tive o meu primeiro desgosto amoroso a valer. Foi assim uma cena surreal, primeira relação longa, que eu levei a sério (foi sério unilateralmente, enfim, uma mulher apaixonada não vê um corno à frente do nariz) e quando ele acabou comigo (por MSN, super maduro), jurei que nunca mais queria uma relação séria. Queria ser uma mulher independente, dedicar-me aos estudos e, mais tarde, à carreira. Queria entrar na marinha, viajar pelo mundo. E a minha mãe perguntava-me sempre "E família? Não queres constituir a tua família? Ter filhos?" e eu respondia sempre da mesma forma, no mesmo tom irritado como se tivesse  a fazer a pergunta mais descabida de todo o sempre, capaz de ofender até o mais baixo intelecto "Quero lá saber de homens! São todos iguais, uns filhos da mãe. Não preciso de homem nenhum para ser feliz."
Sim, certo, é um facto que ninguém precisa de ninguém para ser feliz, porque primeiro temos que ser felizes sozinhos, aprender a aceitar os nossos próprios defeitos, antes de poder partilhar essa felicidade com alguém que aceite os nossos defeitos também, e blá blá blá, *inserir aqui restante discurso bonito*. Mas aqui coloco a questão "E se eu nunca for feliz?".
Estou a escrever isto de coração aberto, e quem me conhece sabe que abrir o coração é como quem me mata. Mas a verdade é que estou com medo, aliás medo não!, estou apavorada com a ideia de acabar sozinha, como naqueles filmes em que a personagem deitou pela janela a única oportunidade que lhe foi dada de ser feliz em busca de algo que mais tarde veio a descobrir ser uma fantasia - ser ainda mais feliz - e por esse erro, por essa cobiça vã, estar destinada a acabar sozinha, sem ninguém, e morrer num leito de arrependimentos.
A minha relação chegou a um ponto de ruptura, a um ponto em que não havia volta a dar. Eu não me arrependo dessa decisão, porque eram mais vezes as que me apanhava sozinha a chorar do que a sorrir. Mas, e se a culpa foi só minha? E se fui eu que não lutei que chegue, e se fui eu que fui negligente? E se fui eu a responsável por um possível conto de fadas ter acabado na valeta?

sábado, 29 de outubro de 2016

Eat, Pray, Love

Talvez porque precise, ou simplesmente porque começam a denotar-se umas pinceladas de TPM no meu humor, aliado ao cansaço psicológico que se anda a acumular há demasiado tempo, estes dias decidi ver o filme Eat, Pray, Love.
Este filme fala, muito basicamente, sobre Liz, «uma mulher moderna» que se divorcia e decide fazer uma viagem em busca dela própria e quiçá de alguma paz interior. Isto é tudo muito bonito, para quem pode. Mas e nós, as personagens da Vida Real, que temos um trabalho (in)seguro e mil e um compromissos que nos impedem de mandar tudo para trás das costas e simplesmente embarcar numa viagem de auto-conhecimento? A parte pior nem é essa! A parte pior é poder pagar uma viagem dessas, porque por muitas companhias low cost existam, a parte do Eat é muito importante e, embora não faça parte do titulo do filme, a parte do Sleep convém que não seja debaixo de uma ponte num país onde mal arranhámos a língua.
Para nós, mísera classe trabalhadora, a viagem em busca do nosso âmago tem que ser muitas vezes feita de olhos fechados, enquanto tentamos desesperadamente neutralizar o barulho da televisão do vizinho com o barulho ainda maior dos nossos pensamentos. Ou então de olhos bem abertos, com o piloto automático ligado, enquanto estamos perdidos no meio do trânsito.

Embora existam mil e uma religiões, todos nós, a uma dada altura na vida, rezámos. Dirigimos as nossas preces, revelámos os nossos desejos mais íntimos a uma qualquer entidade superior. Alguém, com ou sem nome, que tenha o poder de milagrosamente corrigir o que achamos estar mal na nossa vida. Pedimos ajuda para ter mais dinheiro, para ter sorte no amor, para a cura de um problema de saúde, pedimos Sorte para que algo corra como esperado, a desejamos até para alguém que nos é querido. Fui educada por pais cristãos, e embora não sendo praticamente e pudesse dissertar sobre o quão errado acho alguns ensinamentos e práticas desta religião, esse Ser Superior sempre me foi indicado como sendo Deus. Actualmente, prefiro chamá-lo de Destino. Prefiro encarar esse Ser como uma Força, cujo entendimento nos ultrapassa e acredito piamente que tudo, mas tudo, acontece por um motivo, seja para que alguém que não deve permanecer na nossa vida possa sair, seja para que possamos aprender uma lição que nos será valiosa numa outra fase da nossa vida, ou para simplesmente aprendermos a dar valor a algo, ou alguém.

Sendo humanos está nos nossos genes sermos egoístas, nem que seja por um milésimo de segundo, quase imperceptível aos nossos olhos, e nesse egoísmo acabamos por nos esquecer que a Vida não gira à nossa volta, que o Destino não se baseia nas nossas passadas, que nós não somos sempre as personagens principais desta tragicomédia. Que tantas vezes, no meio do desespero, da dor da perda (seja a perda que for, há sempre dor, a do luto), na ânsia de ultrapassar algo que aos nossos olhos mete o Mt.Everest nu  bolso, acabamos por esquecer (ou menosprezar) um outro alguém, que também pode estar nessa viagem espiritual, ou a precisar de embarcar numa sem saber sequer que precisa dela.

Felizmente, também está nos nossos genes uma coisa maravilhosa chamada amizade e empatia, que quando juntas quase funcionam como uma poção mágica, quando sentidas em plenitude, fazem-nos olhar para a nossa vida e perceber que afinal o Mt.Everest era só uma lomba na estrada e se nós fomos capazes de ultrapassar, o nosso vizinho e amigo também será. É nessa altura que lhes damos a mão (metafórica ou literalmente, decisão que deixo ao critério de cada um) e os ajudamos a embarcar na própria viagem de auto-conhecimento e de busca de paz interior. E sabem que mais?  Nesse passo, onde colocamos as nossas dores de lado, e ouvimos o Fado de alguém, estamos um passo mais próximos de descobrir a paragem do nosso verdadeiro Eu.


Jane.

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

De regresso e do avesso

Sentei-me em frente ao computador, na ânsia de conseguir escrever, traduzir em meia dúzia de palavras atabalhoadas o caos que vai na minha cabeça. Tenho a gata a correr como uma louca pela casa, e rio-me sozinha, quando me apercebo que ela é a melhor metáfora para o estado da minha vida neste momento.
Tinha tudo tão planeado, ao mais ínfimo pormenor, que me esqueci que a vida podia seguir por alguns atalhos que eu não conhecia assim tão bem, e desviar-me do meu tão cuidadosamente planeado trajecto, atalhos esses tão irónicos, que normalmente só me daria vontade de rir às gargalhadas.
Portanto cá estou eu, sentada no sofá, meia atordoada, sem saber bem o que dizer, com uma manga rasgada e um olho negro da coça que 2016 me está a dar e é nestas alturas que penso em como é bom ter o tempo todo ocupado, em que o pouco que sobra é para cumprir com as minhas necessidades básicas.
Ao fim de cinco anos de partilha de histórias, de momentos, de aprendizagens, acabei um noivado. Acabei uma relação com um homem que me jurou amor eterno, e que sei que iria cumprir essa jura.
Ensinaram-me sempre a lutar pela minha felicidade e em nunca baixar os braços e querer sempre o melhor para mim. Eu não era feliz, mas ele era bom para mim. Desde então luto com a minha consciência, numa tentativa de perceber se não seria ele o melhor para mim, e eu, cega, é que não fui capaz de ver isso.
Será possível, com a ânsia de querermos tudo - um bom trabalho, uma boa casa, qualidade de vida, família, amor, dinheiro, saúde -  nos perdemos, e acabarmos por ficar sem nada?
Poucas pessoas sabem a exacta razão da minha decisão mas em todas elas existe uma opinião em comum: se não era feliz, foi a decisão certa, e (cliché) além disso, ainda sou nova, e irei com certeza encontrar alguém. Irei encontrar a tampa para a minha panela.
Mas, e se não encontrar? E se esta decisão fez desmoronar todas as hipóteses que existiriam de ter o meu "happy ending"?
Eu acredito piamente no destino, e acredito que tudo o que acontece tem uma razão para tal, e enquanto digo isto, fecho os olhos com força, engulo as lágrimas, tento esquecer que para cada homem existem sete mulheres, e forço-me por acreditar que o meu príncipe encantado está algures por aí. Se já me conheceu, ainda não sabe que eu sou a Cinderela dele, e se ainda não me conheceu, anda a vaguear por aí, meio perdido, até se esbarrar comigo e finalmente poder viver o «felizes para sempre», como se de um filme da Disney se tratasse.

domingo, 28 de fevereiro de 2016

desabafos de uma lojista

Acabei a licenciatura e comecei a trabalhar para pagar as contas, para pagar a casa, e para pagar o mestrado. Comecei cheia de energia e confiante que seria temporário, que iria acabar o curso rápido e que não ia ficar muito tempo.
Comecei a trabalhar porta a porta, sem salário base fixo, sem subsídios. Andava a mendigar contratos, ao sol e à chuva. Cheguei a tirar 1400€ num mês e 30€ noutro. Sim, trinta euros. Mas nada me fazia desistir, nem as portas batidas na cara, nem as que se trancavam atrás de mim, mal passava a ombreira, a temer que poderia não sair mais de lá. Mas o tempo foi passando, e as aulas iam ficando para segundo plano.
Um ano depois fui a entrevista para uma loja, e a primeira coisa que me é dita quando indico que sou estudante é que não teria direito a estatuto de trabalhadora-estudante. “Queremos que estejas 100% focada no teu trabalho”. E as aulas ficaram para trás. Passaram-se alguns largos meses, e transferiram-me para uma loja de shopping. Vi aí a minha oportunidade de voltar a estudar. Candidatei-me a tempo parcial, e fui colocada. Fiquei tão feliz. Aquela energia toda que tinha voltou, e acordava todos os dias novamente confiante que agora é que era, agora é que ia acabar o curso e pirar-me dali. Mas a ginástica entre a loja e as aulas era enorme. E é cada vez maior, à medida que as disciplinas vão ficando mais trabalhosas. Não sei o que é ter folgas só para mim, pois quando não estou a trabalhar estou a ter aulas, quando não estou a ter aulas estou a trabalhar. Não sei o que é ter tempo para cuidar da minha casa. As férias são tiradas em épocas de exames e todo o dinheiro é gasto em contas e estudos. “Chapa ganha, chapa batida”.
Sabe o que é trabalhar numa loja de telecomunicações? É ser destratada todos os dias. Por pessoas que não sabem falar, não sabem estar e acima de tudo, não sabem o que é respeito. É estar num ambiente de pressão gigante, levar com reclamações adornadas de gritos e de salpicos de saliva, e mesmo assim manter-me impávida e serena, solícita e prestável.
Por detrás da assistente a quem gosta de atirar com todas as suas frustrações está um ser humano. Que luta, todos os dias, por não desistir, por não se deixar afundar num emprego sem futuro, por não se deixar ir abaixo e parar de estudar e de lutar. Está um ser humano que se sente inferiorizado sempre lhe chamam de incompetente, imprestável, que olham com desprezo e desdém, mesmo quando esse ser humano já fez tudo o que estava ao alcance para o tentar ajudar, que não encontra outra forma de lhe explicar que de momento, é tudo o que pode fazer.

“Um canudo não te garante emprego”. Sim, tem toda a razão, mas é a única luz que muitas vezes ainda se vê no fundo do túnel. É a única luz que nos faz levantar todos os dias da cama, e acreditar que algo melhor está reservado para nós. Algo melhor que ficar eternamente atrás de um balcão.