segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Do que me vai no coração

Eu amo a minha mãe e o meu pai de igual forma, mas de forma diferente. Do mesmo jeito que qualquer filho ama o pai e a mãe de forma igual, mas diferente, porque eles são diferentes.
A minha mãe sofre, há já muitos anos de uma doença crónica, a Fibromialgia. Para quem não sabe, esta doença é muito complicada e muito mal entendida - eu própria não entendo. Provoca dor, 24 horas por dia, 7 dias por semana. Dói tudo, e tudo dói. Usar brincos dói, descascar uma batata dói, usar roupa com costuras salientes dói. É uma doença auto-imune (o corpo não reconhece as próprias células e atacas-as, como se fossem parasitas). Os cientistas não entendem e não conseguem chegar a uma cura milagrosa. A doença ataca essencialmente mulheres, e para além de provocar dores, tem muitos mais efeitos. Tem efeitos no sistema nervoso, no sono, na pele, no sistema digestivo, no cérebro. Basicamente tudo.
Sempre tivemos forma de ser e estar diferentes, o que sempre provocou algumas divergências entre nós. A entrada da minha mãe na menopausa veio agravar ainda mais o feitio dela, assim como a doença. Essa entrada coincidiu com a minha entrada na universidade, e com o início de uma nova fase na minha vida: viver sozinha.
Quem vai viver sozinho cria hábitos próprios, horários próprios. E foi difícil adaptar esses meus novos hábitos, cada vez mais fortes, à vida em casa. Resultado: mais divergências.
Eu amo a minha mãe, amo mesmo, mas por vezes torna-se impossível co-habitarmos o mesmo espaço. Porque somos cada mais diferentes. E eu ralo-me com ela, pois não devia fazer esforços e continua a fazer. Criou paredes em torno de si mesma, as quais nem eu nem o meu pai conseguimos atravessar. Queremos ajudar, queremos poder fazer algo, mas a sensação de impotência é cada vez maior e mais forte.
Esqueci-me de mencionar que sou muito parecida com o meu pai, em tudo. Inclusive na forma de reagir quando não conseguimos algo ou somos ignorados - perdoem o meu francês, mas ficamos fodidos. E isso nota-se nas nossas palavras, nos nossos gestos, no nosso rosto.
A doença vai agravando, a minha mãe vai ficando cada vez mais depressiva, mais pessimista, mais fechada. Eu quero tentar fazer algo, mas é cada vez mais difícil, e cada vez me sinto mais incapaz e mais ignorada. E mais fico furiosa. Cada vez há mais zangas, cada vez passo mais tempo sozinha no quarto.
É uma revolta? É egoísmo? Não sei. Mas cada vez "não dá" mais. E cada vez me sinto pior. Do fundo do coração.
Mas Mãe, eu amo-te. 

2 comentários:

Anónimo disse...

É normal nos sentirmos assim em situações como a tua. Mas não te recrimines. És humana e não és de ferro, tens todo o direito a também te sentires assim. Por vezes também nos faz bem baixarmos os braços e expressarmos o que vai dentro de nós. Força, querida. beijinho*

MC disse...

Não é fácil sem doenças, com doenças deve ser mais difícil ainda o choque de vidas e hábitos diferentes de pais e filhos.

Um post bonito, mesmo com essa passagem em francês... :)