quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

#projectomeianoite - conto 5

Meia-noite. Acordou numa sala de paredes altas, numa cor que em tempos foi um branco fluorescente. O ar que sentia entrar-lhe nas narinas era gélido, o clima era de morte. As luzes que provinham de umas lâmpadas amarelecidas pelo tempo tremiam, conferindo àquela divisão taciturna um aspeto ainda mais assustador. As paredes estavam totalmente nuas. A única mobília daquela sala eram duas cadeiras e a mesa. “Quero sair daqui!”
Ao longe ouvia o mar bater teimosamente nas rochas e o vento não parava de assobiar. Em silêncio, imaginava-se sentada na plateia de areia molhada, apenas a admirar aquele espetáculo de ondas.
O sol já se tinha escondido atrás das colinas há tantas horas quantas as vezes o seu pensamento tinha divagado algures entre aquela sala gelada e os grãos de areia daquela praia que estava naquele dia mais salgada.
- “Maldita camisa, não me consigo mexer!” - Por muito que lutasse, ela vencia sempre. - “Merda de trapo estúpido!”
O mar continuava a bater furiosamente nas rochas, como se estivesse a medir forças com o vento que não perdia fôlego a assobiar entre as falésias.
De olhos fechados, imaginava o sabor do sal a beijar-lhe os lábios gretados. Desejava tanto estar naquela praia que quase sentia a água salpicar-lhe os dedos dos pés.
As veias começavam a latejar-lhe na testa e as pontadas na cabeça não tardava iriam voltar.
Era meia-noite e diariamente aquele desejo colocava-a em transe enquanto se enroscava preguiçosamente entre os cobertores.
Estava tão habituada a ostentar a máscara de sorrisos que só aqui, apenas na companhia dos seus pensamentos permitia que ela caísse e os rios de lágrimas corressem livremente pelas suas faces ressequidas.
Estava tão habituada a ostentar felicidade que se esquecia que guardava no peito um coração desfeito. Queria gritar por ajuda, qual náufrago delirante no meio do mar, mas poupava o seu fôlego para sustentar a mentira mais socialmente correta: “está tudo bem”.
Acabava sempre por disfarçar os seus sentimentos, na esperança que não fossem reconhecidos, num pânico constante de serem vislumbrados num olhar mais despido, com o pavor de nesse instante todas as suas fortalezas, que até então tão ferozmente tinha defendido caíssem por terra e que também ela caísse num abismo sem fim, sem um abraço para a poder amparar e salvar do mergulho galopante nessa escuridão. 

domingo, 28 de janeiro de 2018

#projectomeianoite - conto 4

Meia-noite. Escrevo pausada e apaixonadamente. Transformo em letras o ritmo do meu coração e teletransporto a minha mente sem que o meu corpo saia da frente do computador que recebe o bater mecanizado dos meus dedos nas teclas já desgastadas.
Numa viagem rápida, ultrapasso a cápsula do tempo e do espaço e aterro numa casa que cheira a mar.
«Devo ter deixado a janela aberta com a pressa.» Dispo aquela farda que me sufocou o dia inteiro, impregnada de sal. Corro pelas divisões em busca dele e encontro-o, poucos instantes depois, apenas de toalha à cinta. Presenteia-me com o seu mais belo sorriso, os seus braços fortes puxam-me na sua direção e beija-me apaixonada e calorosamente, como se fosse a primeira vez.
O banho estava preparado: água quente, espuma e pétalas de rosas. Há champanhe. Respiro o meu conto de fadas até à última lufada, como se este pudesse acabar antes de sequer ter começado.
Os números vermelhos e brilhantes do rádio-relógio marcam meia-noite. Já deitados vejo o peito dele subir e descer, num ritmo calmo. O corpo cansado repousa descoberto, tentando compensar a temperatura elevada do ar que enche a divisão. Os raios do luar atravessam a janela entreaberta, permitindo-me admirar os contornos que definem tão doce existência.