Meia-noite.
Escrevo pausada e apaixonadamente. Transformo em letras o ritmo do meu coração
e teletransporto a minha mente sem que o meu corpo saia da frente do computador
que recebe o bater mecanizado dos meus dedos nas teclas já desgastadas.
Numa viagem
rápida, ultrapasso a cápsula do tempo e do espaço e aterro numa casa que cheira
a mar.
«Devo ter
deixado a janela aberta com a pressa.» Dispo aquela farda que me sufocou o dia
inteiro, impregnada de sal. Corro pelas divisões em busca dele e encontro-o,
poucos instantes depois, apenas de toalha à cinta. Presenteia-me com o seu mais
belo sorriso, os seus braços fortes puxam-me na sua direção e beija-me
apaixonada e calorosamente, como se fosse a primeira vez.
O banho
estava preparado: água quente, espuma e pétalas de rosas. Há champanhe. Respiro
o meu conto de fadas até à última lufada, como se este pudesse acabar antes de
sequer ter começado.
Os números
vermelhos e brilhantes do rádio-relógio marcam meia-noite. Já deitados vejo o
peito dele subir e descer, num ritmo calmo. O corpo cansado repousa descoberto,
tentando compensar a temperatura elevada do ar que enche a divisão. Os raios do
luar atravessam a janela entreaberta, permitindo-me admirar os contornos que
definem tão doce existência.
Os meus
olhos não cansam de o olhar, não querem parar de o olhar. Aconchego-me em
silêncio ao seu lado e logo o calor daquele corpo transmite-se para o meu, que
inexplicavelmente se arrepia. As minhas pálpebras fecham, solidárias com as
dele, guardiãs de uma mente brilhante em repouso, divagando na terra dos
sonhos.
O meu subconsciente,
finalmente livre de mim, voa também, procurando ansiosamente encontrar o dele
num qualquer sonho.
Abro os
olhos preguiçosamente numa divisão que me é conhecida. A luz ao acordar sempre
me incomodou tanto como a cama gelada ao deitar. Não há cheiro a mar, nem
fardas suadas. Não há banhos com pétalas de rosa nem um príncipe encantado à
minha espera apenas em toalha. Há um quarto desarrumado com cheiro a flores do
campo. Há um duche, que me acorda os sentidos, que me faz sentir cada gota de água
a escorrer vagarosamente, a serpentear pelas curvas da minha natureza, onde aos
poucos, debaixo daquela água reconfortante, me obrigo a regressar à realidade.
O vapor
quente embacia-me o olhar e por entre as sombras vejo no espelho as linhas que
desenham o meu corpo.
Um arrepio
percorre-me a espinha, como se sentisse ali a presença dele.
Era apenas a janela aberta e saudade de um amor que aperta.
Acorda! Foi só um
sonho.
Sem comentários:
Enviar um comentário