segunda-feira, 18 de abril de 2011

"Já Era"

Há pessoas que sempre vimos presentes na nossa vida e que ingenuamente acreditamos que são eternas. É o caso da Senhora Tina, que morava perto da minha rua. 
Sempre a vi igual, curvada com o peso de uma vida de sofrimento, apoiada na bengala que lhe tínhamos oferecido num aniversário, mas sempre, sempre, com um sorriso nos lábios e com um olhar meigo por detrás dos óculos gastos pelo tempo. 
Subia a rua todos os dias à tarde, depois do lanche, hora que me apanhava em casa, a chegar da escola. "oh nina, olha o que eu trouxe para ti.". Ora uma barra de chocolate kinder, ora uma flor, ora uma moeda, ora qualquer coisa. Mas trazia, sempre. 
Passando os dias sozinha, dizia à minha mãe que eu era a luz do dia dela. E eu ficava lá, a ouvi-la falar, a perguntar-me pela escola, a contar histórias, a disfarçar lágrimas. 
Eu cresci, e assim como o tempo passou por mim, passou também por ela.
Deixei de a ver todos os dias, pois a minha escola já não ficava a cinco minutos de casa e as pernas dela já não aguentavam a caminhada até mim. Passei a vê-la muito raramente. 
Cresci mais um pouco e fui estudar para outra cidade. Nunca mais a vi. 
Ia sabendo pela minha mãe o estado dela: de mal a pior. Sem as filhas, sozinha, num lar de dia, uma carrinha de transporte vinha trazê-la a casa, apenas para dormir. 
Piorou: as pernas já não lhe obedeciam e ficou presa a uma cadeira de rodas. Não voltava a casa já.
Hoje, a caminho de casa, passei pela dela. Por cima da janela onde antes via tapetes brancos a apanhar sol, li um letreiro, da ERA com um sobreposto: "Já Era". Nunca me doeu tanto ver que uma casa tinha sido vendida.

2 comentários:

.:GM:. disse...

É por textos assim q vale a pena ter-se um blog. Lamenta-se a perda, congratulam-se as palavras.

LA disse...

Oh be, deves ter ficado mesmo triste, nem consigo imaginar :s

<3