Meia-noite. Acordou numa sala de paredes altas, numa cor que
em tempos foi um branco fluorescente. O ar que sentia entrar-lhe nas narinas
era gélido, o clima era de morte. As luzes que provinham de umas lâmpadas
amarelecidas pelo tempo tremiam, conferindo àquela divisão taciturna um aspeto
ainda mais assustador. As paredes estavam totalmente nuas. A única mobília
daquela sala eram duas cadeiras e a mesa.
“Quero sair daqui!”
Ao longe ouvia o mar bater teimosamente nas rochas e o vento
não parava de assobiar. Em silêncio, imaginava-se sentada na plateia de areia
molhada, apenas a admirar aquele espetáculo de ondas.
O sol já se tinha escondido atrás das colinas há tantas
horas quantas as vezes o seu pensamento tinha divagado algures entre aquela
sala gelada e os grãos de areia daquela praia que estava naquele dia mais
salgada.
- “Maldita camisa, não
me consigo mexer!” - Por muito que lutasse, ela vencia sempre. - “Merda de trapo estúpido!”
O mar continuava a bater furiosamente nas rochas, como se
estivesse a medir forças com o vento que não perdia fôlego a assobiar entre as
falésias.
De olhos fechados, imaginava o sabor do sal a beijar-lhe os
lábios gretados. Desejava tanto estar naquela praia que quase sentia a água
salpicar-lhe os dedos dos pés.
As veias começavam a latejar-lhe na testa e as pontadas na
cabeça não tardava iriam voltar.
Era meia-noite e diariamente aquele desejo colocava-a em
transe enquanto se enroscava preguiçosamente entre os cobertores.
Estava tão habituada a ostentar a máscara de sorrisos que só
aqui, apenas na companhia dos seus pensamentos permitia que ela caísse e os
rios de lágrimas corressem livremente pelas suas faces ressequidas.
Estava tão habituada a ostentar felicidade que se esquecia
que guardava no peito um coração desfeito. Queria gritar por ajuda, qual
náufrago delirante no meio do mar, mas poupava o seu fôlego para sustentar a
mentira mais socialmente correta: “está
tudo bem”.
Acabava sempre por disfarçar os seus sentimentos, na
esperança que não fossem reconhecidos, num pânico constante de serem
vislumbrados num olhar mais despido, com o pavor de nesse instante todas as
suas fortalezas, que até então tão ferozmente tinha defendido caíssem por terra
e que também ela caísse num abismo sem fim, sem um abraço para a poder amparar e
salvar do mergulho galopante nessa escuridão.