Acabei a licenciatura e comecei a
trabalhar para pagar as contas, para pagar a casa, e para pagar o mestrado.
Comecei cheia de energia e confiante que seria temporário, que iria acabar o
curso rápido e que não ia ficar muito tempo.
Comecei a trabalhar porta a
porta, sem salário base fixo, sem subsídios. Andava a mendigar contratos, ao
sol e à chuva. Cheguei a tirar 1400€ num mês e 30€ noutro. Sim, trinta euros.
Mas nada me fazia desistir, nem as portas batidas na cara, nem as que se
trancavam atrás de mim, mal passava a ombreira, a temer que poderia não sair
mais de lá. Mas o tempo foi passando, e as aulas iam ficando para segundo plano.
Um ano depois fui a entrevista
para uma loja, e a primeira coisa que me é dita quando indico que sou estudante
é que não teria direito a estatuto de trabalhadora-estudante. “Queremos que estejas
100% focada no teu trabalho”. E as aulas ficaram para trás. Passaram-se alguns largos
meses, e transferiram-me para uma loja de shopping.
Vi aí a minha oportunidade de voltar a estudar. Candidatei-me a tempo parcial,
e fui colocada. Fiquei tão feliz. Aquela energia toda que tinha voltou, e
acordava todos os dias novamente confiante que agora é que era, agora é que ia
acabar o curso e pirar-me dali. Mas a
ginástica entre a loja e as aulas era enorme. E é cada vez maior, à medida que
as disciplinas vão ficando mais trabalhosas. Não sei o que é ter folgas só para
mim, pois quando não estou a trabalhar estou a ter aulas, quando não estou a
ter aulas estou a trabalhar. Não sei o que é ter tempo para cuidar da minha
casa. As férias são tiradas em épocas de exames e todo o dinheiro é gasto em
contas e estudos. “Chapa ganha, chapa batida”.
Sabe o que é trabalhar numa loja
de telecomunicações? É ser destratada todos os dias. Por pessoas que não sabem
falar, não sabem estar e acima de tudo, não sabem o que é respeito. É estar num
ambiente de pressão gigante, levar com reclamações adornadas de gritos e de
salpicos de saliva, e mesmo assim manter-me impávida e serena, solícita e
prestável.
Por detrás da assistente a quem
gosta de atirar com todas as suas frustrações está um ser humano. Que luta,
todos os dias, por não desistir, por não se deixar afundar num emprego sem
futuro, por não se deixar ir abaixo e parar de estudar e de lutar. Está um ser
humano que se sente inferiorizado sempre lhe chamam de incompetente,
imprestável, que olham com desprezo e desdém, mesmo quando esse ser humano já
fez tudo o que estava ao alcance para o tentar ajudar, que não encontra outra
forma de lhe explicar que de momento, é tudo o que pode fazer.
“Um canudo não te garante emprego”.
Sim, tem toda a razão, mas é a única luz que muitas vezes ainda se vê no fundo
do túnel. É a única luz que nos faz levantar todos os dias da cama, e acreditar
que algo melhor está reservado para nós. Algo melhor que ficar eternamente
atrás de um balcão.