sexta-feira, 5 de agosto de 2022

Sexta-feira de Devaneios

 Meto as chaves na fechadura e rodo-as, para se abrir à minha frente o silêncio de mais um dia terminado.

A mochila pesa um mundo, os sapatos apertam-me, a roupa incomoda e o soutien sufoca-me. Dirijo-me, em piloto automático, para o closet e despejo-me de todo o armamento de mais um dia de trabalho. A Bree abana o rabo alegremente por me ver, após várias horas de diversão numa casa só pra ela. Respiro fundo, deixo-me cair no sofá sem forças para me mexer dali. São 19h30, tenho fome, sinto-me suja e suada, mas o cansaço parece estar entranhado na minha pele e não me deixa mexer um músculo sequer. Atiro a cabeça pra trás, deixando-a cair nas almofadas, enquanto o barulho de alguém no corredor se entranha no meu cérebro. Gostava que fosses TU. Um alguém sem nome, um homem sem rosto, um porto de abrigo sem lugar definido. TU, aquele que iria entrar na sala, vestido com um sorriso aberto, uns braços calorosos e uns calções de ganga desbotados pelo tempo. TU, aquele abraço seguro que me ia aconchegar no final do dia, enquanto me perguntava como correu. Não tens nome, não tens berço, não tens forma, só essência - AMOR.

Mas em vez de ti, são só uns vizinhos que não consegui distinguir e que tal como eu, terminam também mais um dia de trabalho. Pela fração V, sou só eu e a Bree, e o silêncio de mais um dia terminado.

segunda-feira, 21 de junho de 2021

Vazio.

Ter um vazio no peito é exatamente isso. Um vazio. Há muita coisa que pode ser dúbia na língua de Camões, mas o vazio é o vazio. É como um fado que chora de saudade - talvez porque este vazio vem de uma espécie de saudade, ainda que masoquista. É um vazio que independentemente da hora do dia que seja, independentemente da tarefa que tenhamos em mãos, da pessoa que esteja à nossa frente, o vazio está lá, a sugar-nos por dentro. O vazio é o ar que não se respira, o engolir que é em seco, a cabeça que não dói mas mói e onde meia volta sentimos aquela sensação de uma lágrima mais aventureira querer saltar dos nossos olhos. 

E falar desse vazio é pior, não porque piore - porque não piora! - mas relembra que está lá... É o enfiar um dedo na ferida e remexer até sangrar. É sentir como se parte do nosso ser - do nosso coração principalmente - tivesse sido cortado a frio e arrancado do peito e que agora nos deixou com um batimento cardíaco coxo, meio descompassado, meio perdido, sem saber muito bem como acompanhar o passar do tempo.

Depois, quando tudo se cala, na calada da noite, quando as passadas parecem não soar mais alto que os próprios pensamentos, é aqui que tudo começa.

É quando os nossos olhos buscam algo e não vêm nada, é quando os braços esticam e não alcançam ninguém, só o vazio e um lamento.

É quando a boca se abre, como que em jeito de querer pronunciar algo, proferir um grito ou um ai, que a voz fica presa entre um nó de garganta e um choro engolido. 

É quando o coração tenta bater, mas o sangue parece não pulsar, é quando o cérebro finalmente dá de si e começa a doer, deixa de pensar, deixa o corpo cair e em jeito de tormento vomita todas as memórias nesse vazio, que aumenta mais e mais e mais com o passar do tempo. 

Ter um vazio no peito é exatamente isto. E mais, muito mais. É achar que se morreu por dentro, de dor, de saudade, de tudo e de nada. Do vazio que cresce por dentro.